Encontro dos Professores de Sociologia no Ensino Médio
Anotações que serviram de base para minha intervenção na Mesa “Formação de Professores de Sociologia”, realizada em 21 de março de 2014. Escritos parciais, idéias em desenvolvimento…
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Palestra – Encontro dos Professores de Sociologia da RMSP
21.03.2014
Intervenção oral como um exercicio do pensamento em processo.
Problemas relativos à formação de professores de sociologia envolvem diferentes aspectos da formação. A análise histórica das mudanças nos curriculos dos cursos de graduação, tanto no bacharelado como nas licenciaturas, indicam os diferentes princípios e abordagens que norteam/norteavam a formação dos sociólogos e professores e também as disputas nos desenhos dos cursos entre o bacharelado e licenciatura.
Seja nas licenciaturas plenas, nos bacharelados e com posterior formação complementar para obtenção da licenciatura, ou ainda nos atuais modelos híbridos de dupla habilitação (bacharelado mais licenciatura), podemos observar diferenças e continuidades de disciplinas, conteúdos e práticas.
No que tange os debates sobre a formação de professores, o principal foco das preocupações tem sido o de dar conta, num curto espaço de tempo, de tantos conhecimentos teóricos e saberes práticos necessários para o bom exercício profissional. Nos relatos de pesquisadores sobre as licenciaturas existentes no Brasil, percebemos rapidamente um reconhecimento das ausência nos cursos: “falta isso, falta aquilo”. Pessoalmente, ainda nao encontrei nenhum colega professor universitário que esteja plenamente satisfeito com a formação oferecida aos futuros professores. Mas enfim, talvez, seja apenas nosso habito da crítica permanente, de forma a buscar situações melhores.
Ainda assim, já é possível montar a partir dos diferentes cursos, com discordância ou acordos, um quadro nacional do que seria este currículo mínimo para a formação de professores de sociologia, para além do percurso do bacharelado.
Mas há ainda, junto a este percurso da formação teórico-prática, aquela parte da formação que diz respeito à prática efetiva na escola. No Brasil, ela se organiza em torno dos estágios supervisionados. Ainda que realizado de maneira diversa em cada universidade, é comum que seja mantida uma relação assimétrica e hierarquica entre universidade e escola. Observamos isso naquelas práticas de estágio que transformam a relação com o campo do estágio numa inserção instrumental e precária, sem proporcionar uma boa experiencia de formação inicial para o licenciando, ou de formação continuada para os atores da escola.
Ainda assim, há boas experiencas aqui e acolá. Na Unifesp ministro, entre outros cursos, as disciplinas de estágio supervisionado. A cada semestre tenho procurado promover diferentes estratégias de ensino e de inserção em campos distintos de estágio. Ao final de cada semestre tenho me surpreendido positivamente com os resultados dos trabalhos dos estudantes. Porém, sempre fico, com frequencia, com aquela percepção de tudo que falta à formação de nossos futuros professores.
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Feito este preâmbulo, gostaria de refletir com vocês sobre um outro aspecto da formação de professores que pouco aparece nessas discussões.
Quando falamos do ensino de sociologia, de que tipo de sociologia, de qual sociologia estamos falando? Não digo aqui de qual vertente teórica, qual paradigma, autores ou conceitos devem ser tratados, ou qual deve ser a composição do currículo de sociologia para o ensino médio. Não é disso que se trata.
Estou interessado em discutir a relação entre a sociologia que aprendemos na universidade e a sociologia que ensinamos na escola. Mais especificamente, o fazer sociólogico, a prática do sociólogo. Acredito que existe uma profunda relação entre aquilo que um professor de sociologia faz e ensina na escola, e aquilo que ele aprendeu como ofício de sociólogo na universidade.
A meu ver, uma das dificuldades que os licenciandos enfrentam para ensinar sociologia na escola, tem a ver com a forma como aprendem e experienciam na universidade o que é a sociologia e o que faz um sociólogo profissional. Em síntese, parece-me que os universitários são frequentemente confrontrados com um modelo muito restrito de prática sociológica, focada quase que exclusivamente no ofício acadêmico. Nessa direção, as questões do ensino de sociologia acabam reduzidas ao problema de tradução/transposição entre os conhecimentos científicos universitários e os conhecimentos escolares.
Para sitar um exemplo, tal problema fica evidente na necessidade sempre presente que a sociologia tem, na escola, de explicar logo no início do curso, o que é a sociologia, qual a sua história, qual a sua especifidade?
Alguma outra disciplina do ensino médio faz isso? Talvez, essa caracteristica seja ainda um reflexo de sua instabilidade disciplinar no ensino médio e do fato da sociologia ser relativamente desconhecida dos estudantes.
Mas talvez, nesse caso, seria importante pensarmos porque a sociologia é desconhecida deste público?
Em que medida essa necessidade de auto-apresentação da sociologia na escola como campo científico legítimo, se relaciona ao fato de que ela seja uma profissão tão pouco conhecida em nossa sociedade?
Perguntem às pessoas na rua sobre o que faz um sociólogo? A meu ver, o fato de que essa pergunta não seja facilmente respondida, relaciona-se à pequena presença na sociedade ou o pequeno reconhecimento social desta profissão – o sociólogo.
A ausência de uma referência clara das possibilidades do ofício do sociólogo no mundo, presentifica-se na ação escolar do professor de sociologia sob um duplo aspecto: em sua formação ele próprio não teve contato com uma diversidade de práticas sociólogicas; e na sua prática de ensino a sociologia converte-se, na melhor das hipóteses, na transposição didática dos conhecimentos científicos acadêmicos.
Mas haveriam outras possibilidades?
Gostaria de fazer um exercicio de imaginação com vocês: quais poderiam ser as atividades de um sociólogo num hospital? quais sao as atividades de um sociólogo que trabalha no metro? quais sao as atividades de um sociólogo que atua numa secretaria de habitação? quais sao as atividades de um sociólogo numa empresa de engenharia?
Talvez, se em nosso percurso de formação universitária como sociólogo fóssemos confrontados com uma diversidade maior de experiencias profissionais, nossa prática como professores de sociologia seria diferente. Como ensinar a ciência sociologia a partir de uma diversidade de práticas sociológicas? Que conhecimentos sociológicos consideramos importantes que sejam aprendidos pelos jovens na escola? O que os jovens consideram importante e significativo em suas trajetórias de vida? Talvez, se experienciarmos o fazer sociológica de forma mais diversa, possamos responder essas perguntas de maneira diversa.
Neste sentido, estou interessado em desenvolver uma espécie de sociologia amadora ou sociologia expandida, na linha do que temos chamado de ciência amadora e educação expandida. Tal conceituação tem emergido num contexto de descentramento dos antigos monopólios sobre as dinâmicas de produção/difusão de conhecimentos, onde temos observado uma diversidade de práticas alternativas em diferentes áreas do conhecimento, produzindo conhecimento relevante fora dos espaços e práticas institucionais estabelecidos.
Trata-se, em certa medida, de pensar a formação de professores voltada para o ensino de sociologia na escola como experimentos de prática sociológica. O ensino como pesquisa e intervenção sociológica. Como identificar temas, problemas e questões relevantes com os estudantes e transformar esses elementos num projeto de pesquisa ou intervenção sociológica? Mas para isso, seria também necessário repensarmos o que aprendemos como fazer sociológico em nossas graduações.
Por fim, essa não é uma proposta de formação exclusiva. É apenas mais uma trilha possível que poderia se desenvolver ao lado das outras práticas sociológicas que aprendemos na universidade. Esta, deve permanecer como um lugar de convívio da multiplicidade de conhecimentos e práticas científicas.
Conclusao: relacao entre ensino de sociologia na educação basica e atuação profissional do sociólogo na sociedade. Legitimidade do campo científico depende também da maneira como este campo de conhecimentos está presente na sociedade.